Morar em cidade pequena tem lá suas coisas boas. Tem gente como a gente, tem cadeira na calçada pra ver a vida passar. Tem gosto de chuva na bochecha. Tem saudade da infância. Tem sono da tarde e cheiro de café na cozinha.
Mas e quando a cidade é um marasmo? O cheiro do café não salva. Ele sabota a naftalina. E quando a capital do Estado nada mais é que um depósito de fazer NADA? Não tem saudade da infância que sobreviva a isso.
Eita! Segura que lá vem lamentação. Lamentação de quem não aguenta ver a cultura sucateada e as criatividades engavetadas.Os mais amantes dizem que é suicídio social lamentar e reclamar do seu chão. Esse chão tão sujo e destratado.
Nasci. Me criei. Sofro de tédio. E morro. Jaz. Somos carentes de tantas coisas, aqui no Extremo Norte do País, chamado Macapá, Amapá, Tucuju ou, como muitos o intitulam a surdina, “o fim do mundo”; que me dá vontade de sair catando cidades por todo o Brasil e colhendo culturas, como se fossem minhas, de tanta carência e de tanto ser órfã do lugar onde nasci.
O coronelismo anda nas panelinhas da cidade e a gente finge que não vê. Finge que esqueceu. Finge que não existe. As festas são todas iguais, sempre repetitivas, sempre as mesmas pessoas. Nos bares as mesmas músicas, os mesmos trajes, as mesmas pessoas, as mesmas brigas e, ouso dizer, as mesmas piadas. A piada do povo que morre de tédio. Morro de pena do que transformaram isso aqui. Morro de tédio do que não tem. Morro de inveja de onde tem. Restaurante fecha no feriado. Pintar muros com aclamações de liberdade é bizarro e mal visto. Ser jornalista novo é piada. Ser veterano é coisa de não mortais. Se reclamar te mandam embora, se você não for é só mais uma criatura que fica melhor calada.
Sempre bato na tecla do incentivo aos jovens, aqui no Amapá. Sempre bato no que se pode fazer com relação à valorização da cultura, ao que se pode ser criado, onde TODOS podem ser incluídos. Velho, novo, gordo, magro, preto, branco, amarelo e eu. Assisto aquela novela, “O Outro Lado do Paraíso”, e vejo uma Macapá sem tirar e nem pôr. Lá, pelo menos, ainda não vi os personagens reclamando de falta de energia elétrica e ter que pagar por isso, e nem vejo as pessoas implorando por asfalto, mas acho que chegam lá. E não é por ser tratada no Norte, em Tocantins, não. Mas é pela semelhança do que citei antes: uma cidade pequena que não acontece nada, porque NÃO DEIXAM ACONTECER NADA. Falo da nossa saúde mental que vai de mal a pior. Já falei e vou repetir, com dados de professores que tive nos meus anos de graduação: o índice de suicídio no Estado é alarmante por uma questão que está se tornando cultural.
Temos que parar pra pensar que o nosso desânimo e nossa fuga pra outros lugares é o auge do “espertismo”. É uma forma de dizer: “eu posso usufruir de coisas boas em outro lugar, já que ganho bem”. E por que não gastar na própria cidade? Porque não se tem o que fazer. A não ser comer, ir pra igreja ouvir o padre dizer que não pode mexer com o coleguinha, pagar por comida e custo de vida ALTO; ver se arruma um cargo, em algum órgão, pra não morrer de fome; vigiar a vida do vizinho, reclamar de som alto em altas horas da madrugada; ver os políticos em suas viagens internacionais. Pedir água potável, pedir energia elétrica pra, pelo menos, poder dormir com ventilador (porque além de tudo, Macapá é quente e isso vem de brinde); pedir uma internet mais barata e que funcione, pedir semáforos que não falhem em dia de chuva ou que a gente pague um imposto alto, mas justo pra ter um hospital com refeição pra acompanhante ou uma simples dipirona.
Existe uma cidadezinha no interior de Minas que também tem números alarmantes de suicídio, e lá foi detectado que a cidade não tem muito sol e vive muito no frio e umidade, e as pessoas não conseguem se motivar. Eis o maior motivo de tirar a vida. Banal? Não sei. Mas aqui não ta diferente, não. E todos os anos os números aumentam e ninguém faz nada. A não ser ficar criticando em rede social. O que nós fazemos? No que somos inseridos? No que somos transformados, incluídos, motivados, convidados, INCENTIVADOS? É pedir muito? Não. Não é. Mas no Amapá só funciona assim: pedindo.
A gente pede ajuda pra fazer uma arte, a gente pede ajuda pra conseguir espaço pra apresentar uma peça de teatro. A gente pede, POR FAVOR, pra fazer um brechó na praça. A gente implora por um evento pra incluir todas as pessoas. A gente pede mais músicas e mais livros. Pedimos restaurantes e lanchonetes que abram nas segundas-feiras e feriados. A gente pede até um pouco de respeito, se der, claro, pra que possamos entrar de bermuda em alguns lugares. A gente ganha uns pontapés aqui, mesmo eu ainda não pautando a saúde pública e segurança.
A gente ganha um sítio arqueológico que só é visitado se alguém avisou outro alguém, que disse pra outro alguém, que lembrou que não tem incentivo ao turismo e comentou com um conhecido que disse que lá é legal. É preciso pagar até pra ter um parto em hospital público coberto pelo SUS? Tá me dizendo que isso não é tédio? Ta me dizendo que isso não é desesperador?
E não me venha dizer que é a água com sabor manganês que é a culpada, porque a bichinha nem tem como se defender. O Amapá pode ser muita coisa boa, mas ele também é injustiçado. Quem sabe até injusto. Porque muitos aqui se fizeram e poucos deixaram, pouco melhoraram, pouco se fez pra que se herdasse o melhor. Muito se fez do nada, pra nada.
O tédio e o desgosto fazem parte do meu dia. Todos os dias. Sempre. E eu não sei quem vai tirar a gente dessa.
Colagem: Eugenia Loli
Por Naiane Feitoza
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