In arte Entrevista

O poder da arte de rua


Há um tempo gostaria de ter escrito algo sobre a arte de rua e como percebo o poder que ela tem sobre nós (ou pelo menos, em mim). Porém, desde que li uma reportagem na Vogue, sobre a famosa pintura de Banksy, Balloon Girl (A Menina com o Balão), que foi votada como a obra de arte favorita do Reino Unido. O prêmio foi anunciado no último dia 29 de julho e o trabalho de Banksy foi escolhido por um grupo de 2 mil pessoas.


O cara guarda a própria identidade e ficou conhecido pelo seu trabalho com estêncil enquanto satirizava diversos temas sociais e políticos do mundo. Seu nome verdadeiro é Robin Banks e nasceu em Bristol em 28 de julho de 1973, de acordo com o tabloide inglês Daily Mail, mas ninguém conseguiu comprovar. A revelação de sua identidade esteve em leilão em janeiro no site e-Bay, mas a oferta foi retirada


A pintura "A menina com o balão", com a frase "Há sempre uma esperança"  está no muro de uma loja localizada em Londres, desde 2002 e foi reproduzida de várias formas: camisas, quadros, gif´s e até tatuagens no mundo inteiro. Um clássico moderno! Mesmo quem não saiba quem a criou com certeza reconhece esta imagem.

Banksy ou pelo menos a silhueta dele. 

O que me chamou atenção na reportagem foi que, alguns críticos de arte questionaram a escolha e tentaram derrubá-la. E gente, falar de arte é um negócio complicado, mas, sejamos sinceros; as vezes olhamos certos quadros e só passam de ideias inexplicáveis e não tocam tantas pessoas assim. E para estes críticos, parece que a arte de rua não vale, principalmente falando de graffiti. 

Felizmente a escolha da obra de Banksy pode ser um diagnóstico social tanto do Reino Unido quanto do resto do mundo, lembram do efeito borboleta? O clima político do mundo não é dos melhores, no Brasil, prefiro nem comentar, mas se há sempre uma esperança,  e as pessoas começaram a valorizar esta mensagem, quem sabe o jogo pode virar...

A arte de rua ressoa nas ruas, nas mentes e nos olhares de quem as encontra. Desperta nossa consciência para outras questões e o artista tem um papel importante nisso. É a arte dentro do nosso amado/odiado capitalismo, e a mudança de perspectiva sobre isso é o que o grafite pode oferecer de mais valioso.

Em Macapá temos artistas incríveis que começaram a mostrar esse poder artístico de impactar. Os catitas, grupo artístico que deu uma sacudida na cena cultural da cidade, incentivou e colocou em prática tudo isso e deixou a cidade mais colorida. Recentemente, o trabalho deste amapaense, Marcus Vinicius de Barros Junior, de 20 anos, que assina como Ômega (Ω) e é acadêmico de arquitetura e urbanismo na Universidade Federal do Amapá - UNIFAP, despertou a curiosidade, reflexão e surpresa por causa desta intervenção. É isso que estamos precisando! Acordar o senso crítico e artístico para evoluir. 



Confira nosso bate papo:

Q: Você iniciou as intervenções artísticas nas ruas de Macapá com qual objetivo?

M:   Bom, quando tu decides sair do caderno e ir direto para um muro na rua, não existe um objetivo principal logo de primeira. Acho que isso varia de artista para artista. Creio que você seja movido pelo instinto, pela necessidade de externar aquilo que tu pensas ou o que está sentindo, seja em forma de desenho, poema ou rima...

Acho que quando bate essa vontade de ir e tentar fazer algo, é quase uma convocação interna, tipo: “tu ta pronto cara, vai lá e faz!”.  Esse lance de se apropriar do espaço urbano é justamente pelo fato de por ali passar todos os tipos de pessoas e o alcance da tua intervenção se torna maior. Mas se for pra determinar objetivos, creio que, pelo menos pra mim, os principais seriam modificar a paisagem urbana que cansa os olhos e, acima de tudo poder contribuir para o crescimento da arte aqui na nossa cidade. Qualquer tipo de iniciativa já é um fomento para a arte de rua em Macapá. Poder ter possibilidade de inspirar alguém... isso é incrível!

Q: E como surgiu essa ideia?

M: Olha...eu ando muito pela universidade que estudo e é difícil não perceber as intervenções pelos corredores, pelos blocos, etc. Mas especialmente o lambe-lambe me despertou muita curiosidade pela versatilidade que ele propõe, tanto no quesito aplicação quanto no que diz respeito a elaboração mais dedicada da arte em casa ou no ateliê. Você deixa tudo prontinho e vai lá na parede e cola. Pronto. Tá feito. Comecei a pesquisar a respeito. Comprei os materiais e meti a cara, e aqui estamos, começando por baixo, em fase de experimentação. Já trabalhei com grafite uns anos atrás, mas dei uma parada. Pretendo também mesclar a duas modalidades.


Q: Você acredita que a arte de rua pode influenciar no modo como a sociedade encara certas paisagens?

M: Com certeza, até porque pra mim é uma satisfação ver alguém parando na frente da intervenção procurando entender aquilo. Só da pessoa ter parado ali, ela vai levar um pouco do que eu fiz com ela pelo resto do dia, ou não, né?!

Mas também tem o fato de poder colorir um pouco a cidade e dar um ar mais leve, passar uma mensagem. Macapá ainda está em crescimento urbano, e o processo de verticalização já começou e tende a deixar a cidade muito rígida e sóbria, então, se eu puder contribuir para a cidade, para a população e para a nova paisagem urbana que Macapá está começando a ter, eu o farei. Arte é bom pra todo mundo e todos merecem.

Q: O que você acha que muda quando a arte é colocada em lugares inesperados?


M: O simples motivo da pessoa não esperar nada e ser surpreendida por uma arte no caminho do trabalho, na esquina da casa, é uma forma de melhorar o dia das pessoas, fora também que como eu trabalho com foto-colagem, ou seja, componho uma única imagem a partir de diversas outras imagens, fotos, recortes, e geralmente faço uso de obras ditas clássicas, do período do renascimento e barroco, que muitas das vezes essas pessoas nunca chegaram perto de um livro de arte antes. De repente, posso trazer até elas coisas novas.

Q: Quais as reações mais significativas que você já sentiu referente ao seu trabalho?

M: As reações são as mais diversas. Muita gente gosta, mas é impossível agradar todo mundo, até mesmo porque essa nem é minha preocupação. Antes de qualquer pessoa, o artista deve agradar a si com o que está produzindo. Como estou começando ainda a ir pra rua e intervir, até agora foi só elogio, porém a primeira que eu fiz perto de casa, alguém arrancou uma parte do lambe, mas não esquento com isso não. Quando tu vais pra rua, e deixa lá uma contribuição, tudo pode acontecer, e no dia seguinte, podem pintar por cima ou simplesmente retirar mesmo. O próprio tempo é um “agressor” da arte, sendo ela de rua ou não como a chuva, o sol forte e tudo isso torna a arte de rua o que ela é e sempre foi: uma arte efêmera. Tenho total consciência que não ficará pra sempre ali, mas sei que fiz minha parte e é o suficiente pra mim.



Q: E porque a arte de rua?

M: Porque eu acho que todos têm direito de uma cidade mais gostosa/agradável de se viver. Como estudante de arquitetura e urbanismo, vejo a cidade com outros olhos: ela se torna um único organismo vivo, mesmo havendo delimitações nominais entre bairros e comunidades, e as pessoas sendo as “mesmas”, sendo um bairro nobre ou periferia. A arte de rua não vê na cara e muito menos dinheiro/classe social. Se tiver na rua, é pra todo mundo, e no fim das contas, essa noção de público e privado não existe. A cidade é de todos e para todos

Q: A voz da arte de rua continua com poder até mesmo político? Como você avalia?


M: Acredito que sim. Poder mais social do que político, mas claro que muitos artistas usam da arte como artificio de crítica política, não vejo problema nenhum nisso. Só não podemos nos calar, afinal, toda forma protesto é válida. Eu pelo menos tenho uma visão mais social da arte, uma arte que tem poder de transformar pessoas, retirar elas de condições de risco social, etc. Meu trabalho ainda não entrou nesse terreno de críticas políticas. Por enquanto é uma arte bem pessoal/íntima.

Eu ainda vejo as pessoas muito paradas aqui em Macapá. O cenário da arte aqui ainda está engatinhando. Antes de começar a ir pra rua, eu comecei a estudar a respeito e vi muitos documentários sobre arte de rua, e todos se passavam em São Paulo. Claro que eu não vou comparar uma metrópole como São Paulo com Macapá, mas lá não existem muros brancos. Apesar de nunca ter ido lá, espero ir um dia, mas creio que a realidade seja assim: tudo ocupado por arte e expressões artísticas.    

Isso pra mim significa que lá existem pessoas que não se deixam calar mesmo que venha um prefeito e pinte tudo de cinza (risos).

Macapá é um poço de indignação política e social e infelizmente, muitos se calam e aceitam sofrer em silêncio, mas todos estão revoltados, e os muros ainda continuam brancos... Cabe aqui uma citação do músico Criolo: “Até quando teremos que fazer sala aguardando que os senhores saiam da mesa abastada para que recolhamos as migalhas?

Q: E para aqueles que tem interesse ou vontade de fazer arte nas ruas, o que precisam para dar o primeiro passo?

M: Mete a cara! Arrisca! sério, se você que estiver lendo isso e está com uma ideia na cabeça e tá querendo fazer na rua, vai lá e faz. Não tenha vergonha e muito menos medo. A cidade precisa da sua contribuição. Vejo nas redes sociais muita gente talentosa que ta com ideias incríveis presas em cadernos, coisas que não saem do Instagram/facebook. Se alguém se interessou no que eu disse, só colar junto. 


Pretendo juntar toda essa galera criativa e fazer alguma coisa interessante pela cidade e, quem sabe, pode surgir um coletivo dessa iniciativa. Eu não to sozinho nessa: tenho mais dois amigos me apoiando nisso. O Wellington Moura, acadêmico de artes visuais e o mais novo “integrante”, Igum Djorge, que também é acadêmico de arquitetura e que manda muito bem em aquarela/arte digital, ele já tem muitos trabalhos expostos e ta chegando pra somar com a gente. 

Confesso que fiquei muito surpreso de ser chamado para ser entrevistado, pois já tem um pessoal fazendo arte de rua há mais tempo que eu. Por exemplo, gosto muito do trabalho que o Deejota faz nas ruas com o personagem dele, o José. Tem também minha amiga Maria Eduarda (Duda) que faz incríveis aquarelas em telas, acho que seria ótimo colocar o trabalho dela nas ruas. Tem também a Gabriela Campelo (Campis) que criou um estilo próprio de arte. Eu espero um dia fazer algo memorável com toda essa galera. Fica ai o convite.

Q: Teremos mais arte para a surpresa do macapaense?

M: Com certeza, estamos preparando os lambes e grafites. Só aguardar, pois sempre divulgamos. No momento, apenas pela minha página de fotografia no Instagram e facebook (respectivamente, Ômega fotografia e @omegafotografiaap), informando o endereço de onde foi feito. Se quiser passar lá e tirar uma foto ou prestigiar nosso trabalho. Todo apoio é bem-vindo. 


Para conhecer mais do trabalho de Marcus e do Igum, acessem: /OMEGAFOTOGRAFIA e /igumdjorgeartwork  e @OMEGA_FOTOGRAFIAP e @Igumdjorge

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