In Cotidiano

Quem somos? Não somos


- Quais versões da minha história te contaram?

Sempre me faço essa pergunta, quando conheço alguém novo. Sempre dá aquele frio na barriga quando a gente baixa a guarda para entrar alguém na nossa vida. Alguém que sabe de você, mais ou menos, do que ouviu por aí, do que imagina do que você é feito. Medo. Isso dá medo.

Quando conheço alguém novo, sempre sou leal ao que vejo no espelho, ao que acredito ser. Ninguém se conhece por inteiro, mas as nossas histórias, contadas por nós mesmos, pertencem ao NOSSO mundo. Não aos dos outros. Conheço só uma versão de mim, que foi modificando com o tempo e tento aprimorar, para melhorar, para ser menos “igual a todo mundo”.

A gente sempre ouve uma história de “fulana”, que discutiu com “sicrana”, que envolveu João e foi no Bar da praça. Bom, a vida dos outros é um telefone sem fio. Já notou? A gente ouve o que o outro pensou ter ouvido, a gente conclui o que o outro concluiu, a gente abusa ou ama o personagem de acordo com a narrativa do locutor (rádio fofoca!). Aquela pessoa que sabe mais do que aconteceu, do que os envolvidos, verdadeiramente, na historinha do barzinho da praça. Ou seja, a P**A ficou séria e eu nem sei se saí como vilã ou mocinha na história.

BAGUNÇA!

Morar numa cidade pequena tem dessas coisas. Morar numa cidade pequena, provinciana e que as pessoas se ocupam em vigiar o que o outro faz, TEM DESSAS COISAS.

As pessoas sabem coisas absurdas sobre nós. Coisas que a gente nem sabia. Coisas que eles imaginam e criam. Claro que criam. Ou você acha que a gente é algum santo na boca de quem critica? Desce daí, que esse sonho é um pesadelo.

Você já ouviu seu nome na boca do outro? Eu já. E digo, com lágrima nos olhos: EU DEFECO (miga, eu sou moça e não falo palavrão aqui) E ANDO PARA O QUE FALAM SOBRE MIM. DE-FE-CO!

Uma vez eu li no livro “As Crônicas de Nárnia”, uma frase que carrego sempre comigo: “o que o outro pensa a seu respeito, não é da sua conta”. E não é mesmo. C. S. Lewis foi super sábio em comentar isso. Já pensou que a gente meio que se atrela a esse fenômeno de ter terror do que vão pensar de nós e ficamos enclausurados, amordaçados e nos borramos de medo?! Comecei o texto falando disso. Falando do medo de já saberem demais a seu respeito, e você não poder “se explicar”.

Ai, a gente vai escrevendo e escrevendo e batendo um papo aqui e ali, tirando os fantasminhas da cabeça, tirando os diabinhos dos ombros, e a gente acaba, MESMO é nem explicando coisíssima nenhuma. Eu não me explico nem para o terapeuta. Para que vou me explicar pra alguém que vai chegar na minha vida, em papel branco, com nada rabiscado e doidinho pra escrever uma história?!

Não sou o que meu perfil do facebook mostra. Não sou a pessoa engraçada e desbocada do twitter. Não vivo nos filtros do meu instagram. E não sou a moça calada e séria que come seu hambúrguer, junto com uma cerveja, sempre de cara fechada.

Somos maiores do que muita gente pensa. Somos mais autênticos do que a Katia acha que não somos. Somos mais frágeis que nossos palavrões escancarados. Somos mais sorridentes que as fotos tiradas pra perfil de rede social. Somos mais do que o livro que comemos, a comida que vestimos, os sapatos que andamos descalços e os homens que não nos cercam. Somos mais que as palavras que dizemos e que muitos interpretam da maneira que querem, como querem, porque querem.

Entendeu? Nem eu.

Só sei que te deixo com uma pergunta: qual a versão da sua história você ouviu por ai?

Por Naiane Feitoza, jornalista, mãe de uma índia, degustadora de cervejas e tentando não pirar. 

Ilustração: Norman Rockwell

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