In Cotidiano

Lava a boca com sabão, menina


Que estranho estar vivendo num mundo em que um palavrão doa mais do que palavras enfeitadas de humilhação. Num mundo onde nos dizem como sentar (de pernas cruzadas, por favor!), como se portar em pé (acredite!), como falar BAIXO e como escrever corretamente. Também estão dizendo, nesse mundo, que palavrão não é coisa de mulher, assim como beber só mulheres numa mesa de bar é “falta de lavagem de roupa”, bem como beber sozinha num bar é estar “pedindo”. Pedindo o que, rapá? Pra ter paz, né?! Porque é isso que nós queremos. 

PAZ! Paz até pra ter PAZ. Paz pra soltar um “porr*, cara, que legal” te elogiando, te dando um abraço fraterno e não sendo degolada porque está sentada com o “cofrinho” aparecendo. Lembro, de quando era bem pequena, da minha mãe me puxando firmemente, pelo peito e costas, pra mostrar como eu deveria andar erguida. 

Sei lá pra que danado era, mas tinha que ser daquele jeito. Porque “é assim que mulher anda”. E lembro do primeiro tapão na boca que ganhei com a frase “que frescura”, que minha mãe encasquetou que era palavrão e palavrão não era coisa de menina.

Lembro com orgulho quando bati o pé e soltei um “porr*” dentro de casa, pra um corte no dedo. Já era “de maior” e pagava as minhas contas, mas pra mamãe soava como uma chicotada nas costas “o que vão pensar de mim, com filha da boca suja?”. Ora, mamãe, vão pensar que eu escovo os dentes com terra (oh, as reviradas dos olhos). Não culpo a criação que a minha mãe teve. 

Na verdade, é nessa criação que me espelho para NÃO REPETIR com a minha filha. Que por achar que “mulher tem que saber se portar” é que muito me imponho, muito elogio outras mulheres e suas atitudes “mal vistas” e enalteço as amigas que não têm medinho de soltar um belo palavrão. Mas culpo muita gente que fala uns belos palavrões dentro da sua casa, mas da porta pra rua condena tudo e qualquer coisa que não fala bonitinho e enfeitadinho.



Aquela sua colega de trabalho que te julga só de olhar; aquela tia que envenena gatos, mas posa de “boca limpa vai pro céu”; ou aquele folgadão que fala as piadas mais medonhas e machistasBARRApreconceitusas, mas apaga teu comentário numa postagem porque tinha um “pqp”, e sua família tradicional brasileira não aceita. Deus te livre.

Existem palavras tão horrendas, tão imundas, tão podres e que ouvimos todos os dias e as pessoas acham super do bem. Eles dizem “fraca”, “boba”, “pervertida”, “babaca”, “gostosa”, “corno”, “burra”, “lento”, “magrela” “GORDA”, “MULHER”, “homenzinho”, “doido” e ta tudo legal, ta tudo certo. Não tem palavrão e a gente pode soltar o verbo.

Mas cá entre nós, um sonoro “que menina insuportável” me ofende muito mais do que um majestoso “Caralh*!” numa expressão positiva, pra um texto super bacana meu. Aprenda uma coisa: as pessoas falam palavrão. 

A sua mãe, a sua avó, o teu tio fofinho, os seus filhos FALAM palavrão. Eu falo palavrão! E o que a minha boca fala, a sua mente fervilha. Mas fervilha de maneira ruim. E se a gente parar pra pensar, o palavrão, em si, não é ruim. Mas o seu pensamento é. Ter atitude ruim é igual não deixar a vida do João em paz, só porque ele ta acima do peso, QUE VOCÊ estabeleceu pra ser o ideal. 

Mas o pior é falar palavrão perto do coleguinha. Ter o pensamento fissurado na Maria, só porque ela fica e COME quem ela quer, fala muito mais de você do que da gentil Maria, que ta nem ai pra sua existência. Mas falar palavrão, num texto, é pior, com certeza. Ô! Eu já fui julgada pela santa inquisição da internet macapística por tuitar muito palavrão.

Lembro como se fosse ontem: a moça que praguejava todo mundo e tinha laços de ternura com a maioria dos meninos casados estava lá, com uma caça as bruxas por quem estava digitando palavras de baixo calão e sujando a imagem das “mulheres de Macapá”. 


Mas como tudo não são flores, a força das palavras e da liberdade de dizê-las, por enquanto, venceu. Venceu porque eu posso falar o que eu bem entender. Porque, HOJE, eu posso sentar e dizer “Você é fod*” sem ser ofensiva e dando um baita sorriso pra vitória alheia. Porque, minha gata faceira, você tem o direito de achar todo mundo fod*, todo mundo “do caralh*” e ser feliz por isso.

A gente tem que deixar as coisas negativas de lado e parar de ouvir que mulher não pode fazer sei lá o que, porque não é coisa de mulher. Mulher, quando vai parir, xinga até a mãe, miga. Então te liberta disso e vai ser alegre e saltitante, dizendo ao mundo que ta tudo bem ser do bem e ter a boca suja.

Por Naiane Feitoza

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